quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A Modernidade, o Homem Faustico e a velocidade que cega.

Um artigo para a matéria Introdução a Filosofia que me rendeu uma nota máxima. Isso me deu uma animada logo que eu estava com pensamentos desistentes e chateados, mas sempre tem algo bom pra compensar. - No caso uma nota boa, como modo de reconhecimento, para aquilo que mais gosto de fazer - e, provavelmente, a única coisa que faço "direito" -: escrever. Sem mais delongas:


Talvez a modernidade tenha sido somente a explosão necessária para revelar ao homem algo inerente a ele desde o inicio da formação do conhecimento filosófico: a forma paradoxal em que as vias de seus pensamentos se expressão, de certa forma uma dualidade, ou melhor, opção de escolha. Uma dualidade em busca de uma autentica personalidade sem as ingênuas ocorrências comuns durante toda sua história, a saber, o mau uso da razão, ou a não utilização desta. Outrora, o homem, aparentemente, ia à lentidão de uma charrete em direção ao progresso, hoje temos todos os aparatos que a modernidade nos serve: automóveis, combustíveis, maquinários e tecnologias que no geral as quantidades e diversidades correm em direção ao infinito. O homem capaz de mudar seu Meio não foi capaz de medir as conseqüências dessas mudanças: o que anteriormente demorariam anos para se concluir, averiguar ou constatar, hoje demora muito pouco – boa parte desse tempo é diminuído a partir de uma formula baseada no seguinte conceito: quanto mais capital, menos tempo para concluir. E é espantosa a capacidade de nos prendermos àquilo que criamos e a necessidade de termos sempre novidades, não conseguimos mais viver de forma confortável e produtiva sem todos esses aparatos que a todo tempo estão brotando das indústrias. É possível, de uma maneira radical, afirmar que tudo o que a modernidade nos fez foi construir, com seu conforto e eterna expansividade, uma prisão mental. O homem a muito só tem buscado a prática criadora e produtora em alta rotação. Deixou de lado a postura critica do espírito humano, o homem filosófico, o sonhador: que a tudo vê com olhos críticos e desconfiados, desconfiança necessária para um bom juízo e um progresso relevante.

Mas, não é só baseado nas criações tecnológicas, afastadas do espírito humano, que nascem os paradoxos inerentes à Modernidade, é também do próprio espírito, que, agora, se encontra confuso em suas vicissitudes ideológicas, onde o paradoxo ocorre de maneira a nos deixar a mercê de nossas escolhas e seus efeitos contingentes: conseguimos, de certo modo, controlar todo o nosso Meio, mas todas as tentativas de mensuras exatas dos resultados são incertas; principalmente, das tentativas de mudanças e mensura das atividades sociais, ideológicas e/ou econômicas. Essas aparências da modernidade já são um aviso de extrema importância: se o nosso Meio é expressão de nossas idéias e conceitos, basta olhar para o mundo para percebemos o quanto nos encontramos confusos e perdidos – ainda por cima quando nosso futuro é a valiosa ficha utilizada na aposta para um ideal: o progresso.

Marshall Berman, em Tudo que É Sólido Desmancha no Ar, procura fazer uma dialética da modernidade explicitando para o leitor as possíveis causas e, talvez, ideologias existentes que nos levaram a cair no tourbillon social – dito por Rousseau, o primeiro a utilizar a palavra moderniste no sentido em que usamos até hoje –. Essa busca se faz necessária para criar uma genealogia que tentará desvelar onde as possíveis dissidências de um progresso criterioso ocorreram.

Para isso, Berman nos mostrar um símbolo a muito usado como representante da modernidade, um ponto usado como o signo da conflagração da modernidade. Ele nos apresenta Fausto de Goethe como o personagem-símbolo dessa modernidade. Nele encontram-se todas as forças imperiosas necessárias para se fazer o progresso, sendo um personagem que possui todas as características necessárias para ser o controlador dessas ações: contrato com Mefisto, o diabo que lhe oferece recursos infindáveis e uma bagagem ideológica e espiritual muito grande; mas possui forças que vestem-no um cabresto estreitando sua visão somente para o progresso, cegando-o para os efeitos futuros que este produzirá. Ele não mede esforços nem modos de se fazer o que precisa. Não é a toa que esse personagem se tornou o signo que influencia até hoje estudiosos da modernidade. Fausto tem necessidades que o empurra numa direção única, pois a necessidade da pratica acertou-o como uma flecha envenenada cujo antídoto é trazer a modernidade, o progresso, ser um guia espiritual/ideológico do homem em suas necessidades terrenas.

Mas, Fausto em muitas de suas auto-reflexões, percebe que não serão os aparatos que nos envolvem, nem a forma da prática incessante de produção, nem todas as diversas novas técnicas que se apresentam que irão nos salvar. Ele observa que um olhar critico, para com o mundo e com as mudanças, é necessário, sem isso caímos num abismo do simples cumprir com nossas vontades até que estas estejam impregnadas de desejos egoístas sem uma visão de grupo, sem que perceba o mal que se faz. A auto-reflexão é o artifício humano mais importante nesse ponto: ela mostra um modo de controlarmos a selvageria irracional inerente a nós, superarmos as paixões tenebrosas e nos mostra que um caminho com pensamentos voltados para a sociedade é, também, um caminho de autodescoberta. Antes de um ato de coragem é uma necessidade em encontrar nas reservas de caráter a forma mais pura da razão. Porém, Fausto percebe isso muito tarde – se realmente percebe essa perspectiva.

O homem moderno já nasceu num mundo moderno onde tais fatos e absurdidades modernas são comuns desde a infância. Somos obrigados desde o inicio de nossas vidas a aceitarmos as informações que são cuspidas pra dentro de nossas por todas as formas de mídia e comunicação. O nosso direito de nos esclarecermos se confunde com o modo exigido em acumular conhecimentos diversos que nos afastam, ou pelo menos não é fonte de aproximação, da critica, e nos aproxima da prática repetitiva e cega necessária para o mundo produtivo. Ao começarmos a compreender o mundo, modos taxativos para entender conceitos importantes para o esclarecimento são apresentados, não é possível um questionamento.

Adorno/Horkheimer apresentam no prefácio da Dialética do Esclarecimento os vários modos que obstáculos para o esclarecimento e o real exercício da liberdade foram colocados dificultando as possibilidades da massa atingir seu esclarecimento. Esclarecimento que cabe a cada dia, mais e mais, adentrar na normalidade das massas, pois, mesmo que tenhamos atingido em curto espaço de tempo um acumulo grande de riquezas, elas não são usadas da maneira ideal: produzindo condições para um mundo mais justo. Pelo contrario escrevem, Adorno/Horkheimer: “Nas condições atuais, os próprios bens da fortuna convertem-se em elementos do infortúnio”, uma clara analise do poder paradoxal da modernidade, e continua “o progresso converte-se em regressão”. No texto há claras demonstrações de como ficamos incapazes da critica ao sermos imersos na prisão mental do consumo e da necessidade de capital, pois, nesse ponto cego a conversão de valores acontece.

A mesma racionalidade já falada pode cair nessa conversão de valores, e ser usada de maneira unilateral, ou até ser convertida em uma irracionalidade perigosa. Esse ponto é culminante ao personagem Fausto quando ele se apercebe onde chegou e como chegou, e mais, como as coisas acontecerão após esse ponto.

É importante frisar que essa é uma das formas da verdadeira dialética: as idas e vindas pelos mitos e pelas idéias criticas do presente. Uma não tão óbvia conversa entre duas grandes e semelhantes criações humanas ocorre: os mitos e a realidade absorvem um ao outro. “o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por reverter à mitologia.”, diz Adorno/Horkheimer ao demonstrar em tese que o mito, sendo a necessidade de explicitar dadas maneiras e impulsos humanos por formas de metáforas, acaba por ser uma forma de se esclarecer e criticar o mundo. Antes religiosamente seguidas e, mais atualmente, possuem um critério poético de observar as inconstâncias naturais do ser humano que produzem artífices altamente articuláveis e ambivalentes, e caso não haja forma de controle, para que futuramente esses problemas não sejam uma Hidra de Lerna, os mitos se farão reais de algum modo, como muitas previsões apocalípticas do futuro.

Por fim, temos aqui uma provável sobrevivência da dialética diante do conturbado progresso. É provável que a possibilidade de grandes momentos de crise ocorra para que, finalmente, encontre critérios valiosos para um real progresso. A modernidade e o modo moderno de ser passou a ser um desafio para o filosofo, uma bomba-relógio com hora para explodir, mas ainda temos a chance de desarmá-la. Mesmo que pequenas explosões ocorram, levando-nos ao ponto da barbárie, não são nessas horas que se abandonam as estribeiras e pulasse do barco. Mas sim é a grande possibilidade de nos mostrarmos como homens fausticos, ou melhor, “além-fausticos”, super-homens que conseguem lidar com as inconstâncias externas e os paradoxos, agora comuns, internos e provocam a mudança daquilo que já se constatou problemático e ruim.

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